Cristina Amorim
A imensa maioria do desmatamento em Mato Grosso acontece em locais onde não se sabe quem é o dono da terra. A constatação foi feita pelo órgão ambiental do Estado a partir da comparação de imagens de satélite com o banco de dados de propriedades registradas.
Da área total desmatada computada entre junho de 2004 e de 2005 - 15.430 quilômetros quadrados -, 71% (11.041 km2) não consta no sistema de licenciamento gerido pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) de Mato Grosso, que entrou em operação em 2000.
'Apenas 11% foi autorizado com embasamento. A maioria portanto é ilegal', diz o assessor executivo da Sema, André Longhi. Outros 8% foram feitos comprovadamente de maneira irregular em reservas legais, na parcela de cada propriedade que deveria ser conservada.
No bioma amazônico, a taxa é de 80% do terreno; no cerrado, 35%.
Se não se sabe quem responde por aquele terreno, não se pode responsabilizar ninguém pelo corte ilegal nem cobrar multas e ressarcimento. 'É inclusive difícil exigir que o sistema financeiro siga regras ambientais para liberar financiamento se o banco não tem acesso a todas as informações.'
Ações de fiscalização não são suficientes para identificar os infratores, que muitas vezes não são encontrados no local ou alegam ter adquirido a propriedade após a derrubada.
Os dados foram apresentados pela Sema ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) neste mês. No dia seguinte, o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, expôs o problema em uma reunião em São Paulo, que reuniu setor privado, público e terceiro setor para debater o desmatamento amazônico. 'Vimos que 75% do que acontece em Mato Grosso foi ilegal. E isso num Estado em que boa parte das terras pertence ao setor privado.'
FALTA DE INTEGRAÇÃO
O dado expõe uma das principais mazelas da Amazônia: o caos fundiário. Longhi afirma que falta integrar bases de dados sobre as propriedades rurais existentes em que seja estabelecido claramente a quem pertence cada trecho de terra, seja particular ou não.
Os bancos de dados que funcionam são irregulares e incompletos. É difícil inclusive estabelecer com detalhes qual é a porcentagem de terras públicas.
Para o assessor, faltam instrumentos que exijam o cadastro e incentivos para os proprietários de terra.
Mato Grosso é o campeão histórico do desmatamento na Amazônia. É também o Estado da região com o melhor sistema de monitoramento do seu território por satélite, que será 'exportado' para outros Estados. 'Mas de pouco adianta sem gestão geográfica, sem mecanismos de responsabilidade', diz Langhi.
Segundo o especialista em sensoriamento remoto Carlos Souza Júnior, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o sensoriamento remoto da Amazônia não é mais o principal problema. 'A questão fundiária é um grande gargalo. Precisamos de uma base integrada de registro das propriedades.'
O pesquisador José Heder Benatti, da Universidade Federal do Pará, especialista em ordenamento territorial, afirma que hoje existem sim bancos de dados com registro fundiário, como o do Incra. Mas admite que eles não estão integrados. 'Há uma lei de 2005 neste sentido, mas não foi colocada em prática até agora.'
Outro gargalo é o pagamento das multas. Longhi afirma que 36% são pagas em Mato Grosso, o que é um índice relativamente alto para a região amazônica. Mas a maioria das infrações hoje é convertida em pagamento de cestas básicas. E nenhum grande desmatador foi condenado à prisão.