Pepe invade o consultório olhando de um lado para o outro, com a língua de fora, pisando forte e abanando o rabo. Já conhece o caminho. É erguido com dificuldade por dois funcionários e colocado sobre a maca. Com 3 anos de idade, o enorme fila rajado pesa 70 kg. Vai doar sangue. Depois que a bolsa estiver cheia, será recompensado com um prato de carne enlatada.
A preocupação cada vez maior dos donos com seus mascotes já havia levado à criação de spas e clínicas especializadas em dermatologia e acupuntura. A novidade agora é o surgimento de bancos de sangue, nos mesmos moldes dos hemocentros. Só na cidade de São Paulo, há pelo menos três. No Recife, existe um que atende todo o Nordeste, e dois devem começar a funcionar em breve.
"O sangue doado é importante porque salva a vida de outros cachorros", diz a professora e veterinária Ana Paula Monteiro, que está ajudando a montar o futuro hemocentro da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Os cães precisam de transfusão quando sofrem de anemia ou têm hemorragia decorrente de uma cirurgia ou alguma doença, por exemplo. Dependendo do caso, eles recebem o sangue total ou apenas uma parte, como o plasma e as hemácias. O líquido, armazenado numa bolsa igual à usada com humanos, é mantido sob refrigeração.
Nem todo sangue canino é bom para transfusões. A primeira exigência é que o animal seja saudável - realiza-se um exame sanguíneo completo. O cachorro precisa ter entre 1 e 8 anos e pesar no mínimo 27 kg. Outro requisito é que seja dócil, pois não é anestesiado para o procedimento. Em no máximo dez minutos enche-se uma bolsa com 450 ml de sangue. É comum que o animal ganhe comida logo depois, para ajudar na recomposição do organismo.
Os cães têm oito grupos sanguíneos. Para evitar a rejeição, faz-se um teste de compatibilidade antes da transfusão. Normalmente raspa-se o pêlo do animal no local onde será colocada a agulha. O procedimento, garantem os veterinários, é indolor. Aconselha-se que haja um intervalo de pelo menos seis semanas entre uma doação e outra.
As clínicas costumam contar com alguns doadores freqüentes. Quando surge uma emergência e não há sangue, o jeito é recorrer aos hemocentros - alguns públicos (de universidades) e outros particulares. Os veterinários da UFRPE estão criando um banco de sangue porque perceberam que nem sempre há doadores disponíveis numa situação de urgência.
A clínica PetCare, de São Paulo, tem "pacientes" que doam sangue regularmente. Além deles, dois cães de guarda da própria clínica ajudam a manter o estoque de bolsas em dia. Pepe é um deles. Anteontem, por exemplo, sua doação ajudou um dachshund que havia se submetido a uma cirurgia na coluna e estava extremamente debilitado.
"As pessoas costumam ficar preocupadas. Têm medo que o cachorro fique doente por ter doado sangue. Mas não existe nada disso. É puro preconceito. A doação é extremamente segura", explica o veterinário Paulo Sérgio Salzo, professor das universidades Metodista e Bandeirante de São Paulo.
A paisagista Vera Monteiro, de 47 anos, sabe disso. A cada cinco meses, os oito cachorros de seu sítio recebem a visita do veterinário de uma clínica de São Paulo para retirada de sangue. "Tive um pastor alemão que contraiu uma doença de carrapato e por pouco não morreu. O que o salvou foi uma transfusão de sangue. Foi então que percebi o quanto é importante doar sangue", conta. "Os oito adoram doar sangue, pois sabem que depois vão ganhar biscoitinhos."